Muitos atletas reclamam que não tem sorte. Será que isto é verdade? Será que isto é possível? Umas pessoas têm mais sorte que as outras?
Todos nós fomos criados iguais do ponto de vista sorte. Em determinados momentos temos sorte e de vez em quando azar. A sorte corresponde às oportunidades que aparecem na nossa frente (aí depende se as aproveitamos ou não) e o azar são acontecimentos que nos fazem crescer e amadurecer.
No tênis, todos os jogadores têm sorte e azar. Todos acertam bolas na linha, acertam um net de vez em quando ou uma grafitada winner sem querer, e todos erram aquela bola fácil ou dão aquele saque que sai 1 mm… . Tudo depende da maneira pela qual você encara estes acontecimentos. Tudo acontece normalmente. Se é sorte ou azar, vai depender exclusivamente de você….
Bernardinho, o técnico da seleção brasileira masculina de vôlei, responde que “sorte tem a ver com você estar preparado para aproveitar as oportunidades.” Obcecado por planejamento, ele admite que para alguns títulos que conquistou até contou como uma coincidência favorável de acontecimentos. Mas prefere falar em trabalho, no lugar de casualidade. E ensina: “Se você se prepara, você se esforça, então você se sente merecedor e isso flui de forma positiva. A atitude fica positiva e vou buscar aquilo que eu acho que mereço, que me preparei para realizar, que é a vitória.” Mas e se a vitória não vem? “Os grandes não são os que caem, mas os que levantam.” Nos jogos de Atenas, Bernardinho manteve no bolso uma flanela pintada com o contorno da mãozinha de sua filha Júlia, de 2 anos. “Não é um amuleto, é uma lembrança, para matar a saudade”, explica. Todo esportista tem um pouco de superstição, uma cor de shorts ou um jeito de amarrar o tênis, mas não tem nada a ver”, avisa. Mas com certeza, as superstições no esporte contribuem para que o atleta permaneça focado, sempre de olho no seu objetivo. Só de pensar que aquilo pode ajudar, a energia flui positivamente na direção do nosso objetivo.
As palavras de Bernardinho refletem a tese dos estudiosos, que vêm confirmando que a sorte nada mais é que uma virtude passível de ser trabalhada e ampliada. Em outras palavras: a fortuna está nas mãos de cada um.
Durante 10 anos, o psicólogo britânico Richard Wiseman acompanhou cerca de 700 pessoas de 18 a 22 anos, metade considerada sortuda e metade azarada. Ao comparar o comportamento dos grupos, notou que cada um deles demonstrava um tipo oposto de atitude diante da vida. Os “sortudos” eram otimistas, tinham iniciativa própria e uma atitude proativa, além de atenção para as oportunidades que surgiam diante de seus olhos. Os “azarados” eram pessimistas ou simplesmente conformados, costumavam adotar atitudes defensivas diante dos problemas e – justamente por isso – deixavam passar oportunidades que às vezes eram óbvias. Os desafortunados que, a partir de certo momento, adotaram reações de vencedores passaram a ter mais sucesso, também notou Wiseman.
“Posso até me considerar um cara de sorte por ter nascido numa família que me orientou para a vida e me deu oportunidade para estudar”, admite Bernardinho. Mas com toda certeza, aproveitou muito bem as oportunidades que lhe foram apresentadas. Mas Bernardinho não acredita no poder do acaso para definir as competições. “Sorte? Quanto mais eu me preparo, quanto mais eu estiver em forma, mais as coisas dão certo. Sorte para mim é isso, é criar hábitos positivos, ter disciplina e paixão”, analisa.
De acordo com o psicólogo britânico, as pessoas consideradas sortudas – aquelas que encontram parceiros perfeitos, têm carreiras espetaculares e conseguem realizar todos os sonhos – costumam demonstrar uma habilidade especial para estar no lugar certo, na hora certa. Para a psicóloga social Ana Bahia Bock, da PUC SP, coisas boas costumam acontecer com aquele que se considera sortudo, ou seja, que incorpora o atributo – e por isso aumenta a sua auto-estima. O mesmo vale para o azarado, só que às avessas. Quem realmente se acha um sujeito de sorte joga luz sobre si mesmo, colocando-se em mais situações de competição – e assim aumenta as chances de ganhar quando comparadas às de uma pessoa que não se expõe porque se sente perdedora.
Para o psicólogo José Roberto Leite, uma pessoa que se lança no mercado, não tem medo de aceitar propostas e alcança uma posição invejável, é sim, ousada. Mas essa pessoa nunca se dá mal? “É claro que o sortudo erra. Uma pessoa com sorte parece só acertar na vida, mas na verdade erra tanto quanto os outros. A diferença é que, quando ela cai, enxerga seu erro como um aprendizado para se reerguer, e não como um fracasso pessoal.” De acordo com o psicólogo, “um sujeito considerado sortudo nunca acharia que teve azar por que seu carro foi roubado na rua, por exemplo. Provavelmente ele pensaria que pode receber o dinheiro do seguro e assim comprar um carro melhor. Também aprenderia a não deixar o carro na rua.”
O iatista Lars Grael aprendeu a enxergar a vida por esse prisma positivo. Lars foi atingido pela hélice de uma lancha durante uma regata em Vitória. Teve a perna direita amputada e por pouco não morreu. Socorrido rapidamente por um amigo que estava em outro barco, teve hemorragia estancada por um cirurgião que assistia à competição. Resistiu a duas paradas cardíacas antes de ser atendido no hospital. Depois do acidente, com uma prótese, voltou a velejar e vencer dezenas de títulos. Antes com tendência a depressão, Lars tornou-se um otimista. “A saída mais fácil numa situação como essa é o abatimento, a revolta. Eu me senti assim no começo, mas hoje me considero uma pessoa de sorte”, afirma o iatista.
A mesma filosofia se aplica ao mundo dos negócios. Consultores e caça-talentos são unanimes em afirmar que um executivo bem-sucedido não é apenas aquele que se arrisca e aproveita as oportunidades para abrir caminhos, mas também aquele que desfruta seu sucesso, cuidando de manter a posição que alcançou. Warren Buffet, um dos mais conhecidos investidores americanos contou que no início de sua carreira foi recusado pela Universidade de Harvard. Em vez de desistir, decidiu cursar outra escola, onde acabou encontrando seu grande mentor, Benjamin Graham. “Alguns enxergam o evento como um problema, outros como um desafio. Desenvolver essa percepção é a chave para ter mais sucesso no que se faz.
Agarrar a sorte é uma dádiva para quem tem planejamento pessoal. Para manter o que o toque do acaso propicia é preciso definir objetivos – e correr atrás deles. “As boas oportunidades não tem dia nem hora para surgir. Se você é uma pessoa que está sempre investindo em sua preparação, estará pronta para quando a sorte bater na sua porta”, afirma Lair Ribeiro. “Se eu estiver estudando alemão há anos e aparecer uma vaga numa multinacional para quem fala alemão, pronto, a vaga é minha”, exemplifica. Eugenio Mussak concorda: “Sorte é a mistura da oportunidade com a capacidade de perceber e de aproveitar essa oportunidade” , diz. “E só consegue aproveitar as chances que aparecem quem se preparou para isso.”
O paranaense Emanuel rego, medalha de ouro no vôlei de praia, considera que sorte é uma equação: “O encontro da oportunidade com a preparação. A oportunidade por si só escapa, e a preparação para nada não rende resultados concretos. Sempre iremos topar com a sorte no caminho, são as oportunidades. Aqueles que conseguem agarrá-las são tachados de sortudos”. Seu parceiro nas quadras, Ricardo Santos, acredita que acontecimentos ruins – ou azar – são coisas pelas quais todos devem passar para crescer e amadurecer. “É preciso brigar muito para ter sorte. Muitas vezes é apenas a maneira como encaramos os acontecimentos. Eu me machuquei e tive de disputar várias partidas com dor, mas por causa disso treinei mais duro e me superei. Por causa da dor, sou um jogador melhor. Na hora ninguém diz ‘Que sorte, me machuquei’. Mas o que importa é saber tirar o melhor de cada fase que vivemos”, afirma.
Robert Scheidt é um homem supersticioso. Leva sempre nos campeonatos alguns amuletos. Só faz a barba ao final da última regata. “Esses objetos e hábitos me trazem bons fluidos, mas um atleta não pode depender do acaso. Nenhum iatista estava mais bem preparado do que eu nestas Olimpíadas. Nós fazemos a nossa própria sorte” , afirma.
Ouvir a própria intuição é outro atributo dos afortunados. Segundo Wiseman, 80% das pessoas chamadas “sortudas” admitem que ela tem um papel vital em suas opções profissionais. Quando o assunto são os relacionamentos profissionais e afetivos, 90% disseram confiar no instinto. “A intuição tem a ver com a auto-estima, ou seja, o quanto você acredita em si mesmo na hora de tomar uma atitude”, explica o psicólogo Ailton da Silva.
Quanto mais confiança alguém tiver, mais chances terá de se arriscar e convidar o outro para sair sem pensar que pode tomar um não como resposta. Mas não é só isso. Segundo Ailton, é possível atrair a boa sorte no amor: “É preciso ter uma leitura otimista da realidade. Os tímidos, por exemplo, acham que tudo o que acontece ao seu redor é ruim, o que dificulta encontrar alguém que os satisfaça”. O psicólogo chama a atenção sobre quanto a pessoa deve trazer para si mesma o controle da situação. “Não adianta dizer que as mulheres bonitas não olham para você. Assim você também não as vê.
Delegar para as forças do acaso aquilo que não se consegue controlar é uma atitude comum. Muitas pessoas justificam o fato de não conseguirem um namorado ou um emprego por não terem a mesma sorte do vizinho. “É mais cômodo colocar a causa do seu infortúnio no que vem de fora”, lembra a psicanalista Miriam Chnaiderman. “Quem pensa que está numa maré de azar deve se fazer as seguintes perguntas: O que é que eu mesmo estou fazendo da minha própria vida? Como vou tomar as rédeas do meu caminho daqui por diante?” De acordo com ela, pessoas consideradas bem-afortunadas também têm conflitos. “A sociedade acha que tudo caiu do céu para a modelo ou o jogador de futebol que ganha uma fábula. Mas eles batalharam para chegar aonde estão. Isso as pessoas não enxergam. Preferem achar que foi obra do acaso.”
O médico indiano Derek Chopra explica que personalidades como Madonna, Bill Clinton, e Demi Moore são ricas, bem-sucedidas, têm filhos saudáveis e famílias felizes. Porém, alerta o guru, em nenhum dos casos a bonança veio do acaso. Todos batalharam e, mesmo sem saber, colocaram a seu favor a “lei da intenção e do desejo”, segundo a qual o potencial de alcançar uma meta já está contido na vontade de vê-la concretizada. Ele define sorte como fruto de nossas ações e nossos pensamentos. “Quando introduzimos uma intenção no campo de nossas potencialidades, colocamos a organização do Universo a nosso serviço”, interpreta. Wiseman concorda com o conceito de Chopra, mas ele lembra outro fator: não adianta colocar a intenção se a pessoa for ansiosa demais. Segundo o psicólogo, a principal característica dos sortudos é a tranquilidade em relação à vida. Os azarados normalmente são mais afoitos, e essa sensação os impede de enxergar as boas chances. “Quem acha que está com azar é porque está focando sua atenção apenas em determinados aspectos, ignorando outros à sua volta. É comum, por exemplo, não percebermos as oportunidades que nos cercam simplesmente porque estamos preocupados demais em olhar para outra coisa. “O que fazer, então, naquele dia em que o trânsito está horrível, o pneu do carro fura, você esquece as chaves de casa no escritório e, para completar, um assaltante leva sua bolsa? Ver o lado positivo do infortúnio e pensar em como ele pode ser importante para a virada. “Nenhum sortudo acha que situações ruins duram para sempre.”